terça-feira, 20 de abril de 2010

A HISTÓRIA DO TREM DAS ONZE...


Caixinha de fósforos nas mãos, Adoniran aproveitava a viagem para compor. Os versos surgiam entre uma estação e outra, ritmados pela cadência do vagão. Especialista em criar tipos urbanos, o artista, nascido em Valinhos em 6 de agosto de 1910, tirava samba dos trilhos. E traduzia, na nova música, a história de um rapaz que tinha de deixar a namorada sozinha para voltar para casa e cuidar de sua mãe. “Se eu perder esse trem, que sai agora às 11 horas, só amanhã de manhã.” Um dos bairros atravessados pela ferrovia acabou entrando na letra por acaso. Era preciso encontrar uma rima. “Manhã... manhã... Jaçanã! Achei bonito o nome”, confessou Adoniran em uma entrevista de 1974, dez anos depois do lançamento da canção que é a cara de São Paulo.

Adoniran barbosa faria 100 anos em agosto. E ficaria todo prosa ao saber que “Trem das Onze” ainda ocupa lugar de destaque na predileção dos paulistanos. Toda terça-feira, uma centena de pessoas vai ao Bar Brahma assistir aos Demônios da Garoa, que sempre encerram o show com seu samba mais famoso. Sentado em uma das mesas, Adoniran abriria um sorriso, pediria um cigarro “emprestado” (para fumar na calçada, é claro), ajeitaria a gravata-borboleta e, no repique da inseparável caixinha de fósforos, cantaria com a plateia. Em tempos de Beyoncé e “Rebolation”, ele descobriria que seus versos continuam reverenciados como um hino. Seis anos atrás, por exemplo, os 450 anos de São Paulo inspiraram uma campanha da TV Globo para eleger a música “com a cara da cidade”. O povo escolheu “Trem das Onze”, uma senhora de 40 anos que, até então, já tinha sido gravada em francês, espanhol, italiano e hebraico.

A canção surgiu em setembro de 1964, gravada pelos Demônios da Garoa em LP e em compacto simples (com “Chum Chim Chum”, de Heitor Carillo, no lado B). Fazia 13 anos que o grupo lançava músicas de Adoniran, então uma espécie de Chico Anysio do rádio, intérprete de personagens populares como o malandro Charutinho em programas humorísticos. Um desses programas, o Histórias das Malocas, era líder de audiência nas noites de sexta-feira. Desde 1955, com o sucesso de “Saudosa Maloca”, o grupo se tornara intérprete oficial desse paulista de Valinhos, nascido João Rubinato.

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O toque de Midas teria sido a iniciativa dos Demônios de transformar tábua em “táuba” e exagerar os erros de português – que logo virariam rubricas de Adoniran. Até aquele momento, o compositor ainda não havia adotado o estilo “narfabeto”. “Foi ideia dos Demônios”, afirma Roberto Barbosa, o Canhotinho, que aos 70 anos ainda toca cavaquinho no quinteto. “Estragaram minha música”, Adoniran teria dito, mudando de opinião após a consagração da faixa e incorporando coisas como “nóis fumos” e “despois” nos sambas seguintes. “Foi um casamento que deu certo”, diz Canhotinho. “Os Demônios não estariam na ativa até hoje sem as músicas de Adoniran, e ele não teria vingado como compositor se não tivesse sido gravado pelo conjunto.”

No período de nove anos compreendido entre “Saudosa Maloca” e “Trem das Onze”, os Demônios gravaram 14 composições dele, como “Iracema” e “As Mariposas”. “Por mais de vinte anos, foi com os Demônios que a gente conheceu Adoniran”, diz Assis Ângelo, biógrafo do grupo. Apenas em 1974 o compositor lançaria seu primeiro álbum como cantor. Na interpretação do quinteto, suas faixas eram tão bem-sucedidas que, em 1964, o diretor da gravadora Chantecler fez uma única exigência ao fechar contrato. “Quero relançar as coisas do Adoniran”, disse Braz Baccarin, hoje com 79 anos. “E preciso de uma música inédita.” Arnaldo Rosa (morto em 2000), então líder dos Demônios, lembrou-se de um samba que Adoniran oferecera a ele dois anos antes, quando o grupo se preparava para viajar para o Uruguai e a Argentina.

“A gente ensaiava no apartamento do Toninho (violonista, morto em 2005), e os compositores vinham nos mostrar repertório”, diz o pandeirista Cláudio Rosa, 77 anos, irmão do líder Arnaldo Rosa. Adoniran, que não tocava nenhum instrumento, apenas cantava, delegando aos músicos a função de criar a harmonia e o arranjo. As introduções repletas de “quais quais quais” eram obra dos Demônios, como o “pascalingudum” de “Trem das Onze”. “Não gostei daquela letra”, afirma Narciso, 75 anos, também violonista do conjunto. “Eu tinha sido uma criança rebelde, apanhava da mãe, e achei muito fraca essa história de ir para casa porque a ‘véia’ está esperando.” Mas os colegas acreditaram no samba, e, pela primeira vez, Adoniran ficaria conhecido nacionalmente.

Referências:http://revistaepocasp.globo.com/Revista/Epoca

Adoniran Barbosa é homenageado em evento no Parque Ibirapuera


Adoniran Barbosa ganha homenagem pelos seus 100 anos no Parque do Ibirapuera

Governo do Estado de São Paulo promove evento na Capital para celebrar centenário do ícone do samba nacional. Artistas sobem ao palco para cantar clássicos como Trem das Onze e Tiro ao Álvaro

No próximo dia 25 de abril, a cidade de São Paulo será palco de uma grande festa em homenagem a um dos principais nomes da música paulistana. Adoniran Barbosa, que completaria 100 anos em 2010, será lembrado por artistas como Arnaldo Antunes, Demônios da Garoa e Jair Rodrigues, entre outros, em um show com entrada franca no palco externo do Auditório do Ibirapuera. O evento, realizado pelo Governo de São Paulo por meio da Secretaria de Estado da Cultura, conta com patrocínio da Sabesp, apoio da Prefeitura de São Paulo e produção da Agência A.

Para o Secretário de Estado da Cultura de São Paulo, João Sayad, o evento busca reforçar a importância do artista para a história da cidade. “O show a Adoniran Barbosa relembra a trajetória de um paulistano que se tornou um dos principais ícones da música nacional”, diz Sayad.

O evento tem início às 11h, com a Orquestra Arte Viva, sob regência do Maestro Amilson Godoy. O grupo apresentará um medley com trechos das principais músicas de Adoniran.

Em seguida, Eduardo Gudim sobe ao palco para cantar Abrigo de Vagabundo e Armistício, música composta por ele em parceria com o homenageado. Já Fui uma Brasa e Mulher, Patrão e Cachaça serão entoadas por Arnaldo Antunes, logo após Gudim deixar o palco.

Jair Rodrigues toma conta do microfone para fazer o público se emocionar e cantar a famosa canção Tiro ao Álvaro, além de Bom Dia Tristeza. Em seguida, Patty Ascher canta Acende o Candieiro e Fica Mais um Pouco, Amor. Roger, vocalista da banda Ultraje a Rigor, também participará do show com os sambas do Arnesto e do Italiano. A bela voz de Vânia Bastos será ouvida em Tocar na Banda e Luz da Light.

Os últimos a se apresentarem serão os grupos paulistanos Língua de Trapo, que interpreta a inesquecível As Mariposa e Um samba no Bixiga, e Demônios da Garoa, com Saudosa Maloca e Trem das Onze – essa última, em um emocionante encerramento com todos os artistas participantes.

HOMENAGEM A ADONIRAN BARBOSA
Dia 25 de abril de 2010, a partir das 11h

Local: Auditório do Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portão 2 do Parque do Ibirapuera
Entrada Gratuita







Fonte: ASSESSORIA DE IMPRENSA SEC

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O entregador de marmitas


Desde Valinhos, onde nasce em 1910, como João Rubinato, até à São Paulo que canta em seus sambas, Adoniran Barbosa conhece as misérias da vida e a rejeição dos que têm de lutar até à última fibra dos ossos para ter seu talento reconhecido. Não foi fácil a vida para o sambista.

Abandona a escola cedo, pois não gosta de estudar; nascido de uma família de imigrantes italianos, que busca acertar-se na vida, necessita trabalhar, para ajudar a família numerosa - Adoniran tem sete irmãos. Procurando resolver seus problemas financeiros, os Rubinato vivem mudando de cidade. Moram primeiro em Valinhos, depois Jundiaí, Santo André e finalmente São Paulo.

Em Jundiaí, conhece seu primeiro ofício: entregador de marmitas. Aos quatorze anos, ainda criança, o encontramos rodando pelas ruas da cidade e, legitimamente, surrupiando alguns bolinhos pelo caminho. A matemática da vida lhe dá o que a escola deixou de ensinar: uma lógica irrefutável. Se havia fome e, na marmita, oito bolinhos, dois lhe saciariam a fome e seis a dos clientes; se quatro, um a três; se dois, um a um. O aprendizado se completa, nas diversas atividades exercidas por João. Foi pedreiro, garagista, mascate, encanador, garçom, metalúrgico...

Mais tarde faria Vide verso meu endereço, samba gravado em 1974, já no final da vida – Adoniran morre em 1982 - no qual fala de situação decerto observada em suas andanças pelas ruas das cidades em que viveu. Em forma de carta, o samba diz:

Venho por meio dessas mal traçadas linhas
comunicar-lhe que fiz um samba pra você,
no qual quero expressar
toda minha gratidão
e agradecer de coração
tudo o que você me fez.

O dinheiro que você me deu
comprei uma cadeira lá
na Praça da Bandeira.
Ali vou me defendendo,
pegando firme dá pra tirar
mais de mil por mês.

Casei, comprei uma casinha linda
lá no Ermelindo.
Tenho três filhos lindos,
dois são meus, um de criação...

Esse tal de João Rubinato...


Adoniran Barbosa nasceu em 06 de agosto de 1910, em Valinhos, SP. foi um colecionador nato de apelidos. Seu verdadeiro nome era João Rubinato - mas cada situação por ele vivida o transformava num novo personagem numa nova história.

Ele nos conta a vida de um típico paulistano, filho de imigrantes italianos, a sobrevivência do paulistano comum numa metrópole que corre, range e solta fumaça por suas ventas. Através de suas músicas, canta passagens dessa vida sofrida, miserável, juntando o paradoxo bom humor / realidade - para quê lamúrias?

Tirou de seu dia a dia a idéia e os personagens de suas músicas. Iracema nasceu de uma notícia de jornal - quando uma mulher havia sido atropelada na Avenida São João.

Adoniran nasceu e morreu pobre - todo o dinheiro que ganhou gastou ajudando ou comemorando sucessos com os amigos - seu combustível era a realidade - porque então querer viver fora dela? Talvez soubesse que o valor maior de suas canções eram interpretações como a de Elis ou Clara Nunes.

Foi um grande colecionador de amigos, com seu jeito simples de fala rouca, contador nato de histórias, conquistava o pessoal do bairro, dos freqüentadores dos botecos onde se sentava para compor o que os cariocas reverenciaram como o único verdadeiro samba de São Paulo. Mais do que sambista, Adoniran foi o cantor da integridade.